O real papel da cetamina no cuidado com a dor e com a saúde mental
- Gabriel Drumond
- 6 de jul.
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Atualizado: 6 de jul.
🖋️ Por Gabriel Drumond Ferreira

Imagine a mente como uma colina coberta de neve. Pensamentos, hábitos e padrões mentais são como trilhas feitas por trenós: com o tempo, esses trilhos se aprofundam, tornando-se caminhos automáticos e difíceis de mudar. Isso representa os circuitos repetitivos da depressão, da dor crônica e de tantos sofrimentos emocionais. A cetamina — embora não seja um psicodélico clássico — funciona, nesse sentido, como uma nevasca fresca: ela cobre os trilhos antigos, flexibiliza o funcionamento do cérebro e permite que novos caminhos sejam explorados. Essa capacidade de "quebrar" padrões mentais rígidos e favorecer novas conexões cerebrais é um dos motivos pelos quais seu uso tem se mostrado tão promissor na saúde mental e no alívio da dor.
Nos últimos meses, a cetamina voltou a ocupar as manchetes — ora com apreensão, ora com sensacionalismo. Casos de uso inadequado, como o que envolveu o ator Matthew Perry, geraram dúvidas e, em alguns casos, medo. Mas o que muitos não sabem é que essa mesma substância tem devolvido qualidade de vida a pessoas em sofrimento profundo — com segurança, respaldo científico e supervisão médica.
A cetamina, originalmente usada como anestésico, hoje é uma aliada importante no cuidado de pessoas com depressão resistente e dor crônica refratária. Ela age de forma rápida, especialmente em quadros graves de depressão com risco de suicídio, e pode restaurar a resposta de pacientes a outros analgésicos em casos de dor intensa. Por isso, já está incluída em diretrizes clínicas de referência, como as Scottish Palliative Care Guidelines, sendo utilizada em serviços públicos no Brasil e no exterior.
Usos bem indicados, resultados transformadores
Em pessoas com depressão grave que não respondem mais a antidepressivos convencionais, a cetamina tem se mostrado uma opção eficaz. Um estudo publicado no British Medical Journal em 2022, mostrou que duas infusões de cetamina reduziram os pensamentos suicidas em até 63% dos pacientes em apenas 3 dias, comparado a 32% no grupo que recebeu placebo. Em outro estudo, realizado na Universidade de Michigan em 2024, mais da metade dos pacientes alcançou remissão completa da depressão após apenas três infusões.
No tratamento da dor, os resultados também impressionam. Uma análise de 18 estudos clínicos com pessoas que sofriam de dor neuropática crônica mostrou que a cetamina reduziu em cerca de 50% a intensidade da dor, mesmo um mês após o tratamento — algo muito relevante para quem sente dor todos os dias.
Em centros especializados, protocolos rígidos garantem que o uso da medicação seja seguro e individualizado. Os efeitos colaterais mais comuns, como sensação de sonho vívido ou aumento leve da pressão arterial, costumam ser passageiros e controlados com suporte médico.
Uso da cetamina é legal, ético e baseado em evidências
É importante frisar: o uso médico da cetamina é legal, regulado por agências como a Anvisa e a FDA, e sempre deve ocorrer em ambientes controlados. Existe um abismo entre o uso recreativo da substância e sua aplicação clínica. No campo da saúde, a cetamina é tratada com rigor e seriedade — como qualquer intervenção médica deve ser.
Enquanto parte da opinião pública ainda associa a cetamina ao abuso ou à desinformação, quem trabalha com saúde vê de perto seu potencial de transformar vidas. Por isso, é fundamental reforçar que o uso ético, técnico e baseado em evidências não apenas é seguro, como é necessário para ampliar o acesso de pacientes a terapias inovadoras e eficazes.
Que possamos olhar para a ciência com menos medo e mais discernimento. A cetamina não é vilã, é uma ferramenta. E, como toda ferramenta poderosa, precisa ser manejada com conhecimento, critério e humanidade.
Ciência, cuidado e compromisso
Ao invés de julgamentos precipitados, precisamos de informação qualificada e de políticas de saúde que viabilizem o acesso a tratamentos inovadores com segurança e responsabilidade. A cetamina, quando utilizada com critério clínico e respaldo científico, é um exemplo de como a medicina pode - e deve - evoluir, rompendo o ciclo do sofrimento e oferecendo caminhos para quem já quase desistiu.
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